Toda menina precisa de uma coelha

Teve um dia que o Coelho da Páscoa me traumatizou.

Não sei ao certo quantos anos eu tinha, mas havia feito uma combinação (forçada diga-se de passagem) com o tal Coelho. Eu trocaria com ele minha chupeta velha por uma nova e os chocolates dignos da data. E eis que acordo na manhã de Páscoa e realmente, a minha chupeta nojenta já havia desaparecido da minha cama. Vou em busca do ninho escondido e eis que encontro o combinado. Chocolates e uma chupeta nova.

Porém eu não gostei da troca. Fiquei magoada com aquele Coelho sacana. Afinal, não tinha assinado nenhum contrato, na verdade devo tem só acenado com a cabeça, em alguma das investidas dos meus pais. Tudo bem, tanto meus pais, quanto o Coelho, estavam certos, eu devia largar aquele troço velho, babado e nojento. Mas era meu!

A noite seguinte foi pior, pois temi que o Coelho levasse embora outra coisa velha e fedida que eu me importava: A Lilica.

Lilica é uma coelha de pano, que desde que tenho memória é velha. Mas por algum motivo foi o brinquedo que eu mais amei nada vida. A Lilica foi feita com um tecido áspero amarelo, seu enchimento não era fofo ou de espuma, mas sim bolinhas de isopor que faziam barulhinho quando eu a abraçava. Seus olhos azuis de plástico foram colados tantas vezes que seu rosto é duro de tanta cola, e já quebraram tantas vezes criando pontas que arranham o rosto. A boca se perdeu faz muito tempo. E todo mês era necessário costurar uma orelha, uma patinha ou coisa assim. Foram tantas cirurgias que quase todo seu isopor se foi, ficando cada vez mais magrela. Ela tem dois looks, um vestido de verão laranja para combinar com sua pele amarela e um tiptop azul marinho, afinal ela também sente frio, ambos feitos pela minha mãe, pois a roupinha original deve ter se decomposto já.

Para todo mundo a Lilica era feia. Mas para mim era linda. E vai que o Coelho da Páscoa fosse um trouxa de novo e roubasse ela de mim. Então naquela noite eu virei contra a parede, abracei ela forte e a escondi debaixo da coberta. Se o Coelho aparecesse, desta vez teria luta!

Por minha sorte, ele não quis a Lilica. Afinal, só eu a queria.

Ela foi minha parceira de infância. Não pensem que não tinha outros brinquedos mais vistosos, ou amiguinhas para brincar. Tinha tudo isso, mas a Lilica era minha companheira para assistir a Xuxa e comer bolo de cenoura (o seu preferido).

Certa vez, minha mãe fez uma outra coelha de pelúcia. Branquinha, limpa, perfumada e seu enchimento era de uma fibra macia. Chamamos ela de Ripilica (sim por causa daquela marca que tem uma coala e não uma coelha). Na expectativa da minha mãe, abandonaria a coelha xexelenta e ficaria com essa novinha, que até era parecida com a original. Quanta inocência da minha mãe. Nunca a gente abandona uma amiga, ainda mais quando essa amiga é a Lilica.

Além da Lilica, eu tinha uma outra parceira de vida, essa de carne, osso e muita voz: a minha prima Marcela. Ela passava as férias de verão praticamente na minha casa, vários finais de semana, feriados e o que fosse possível. Com ela eu dividia tudo, sem problema algum... a cama, as roupas, a atenção dos adultos, o pacote de Trakinas, os brinquedos, o controle remoto da tv. Só uma coisa ela estava proibida de pegar: a Lilica obviamente.

Então ela se contentava com a Ripilica branquela ou qualquer outro bichinho que quisesse. Afinal, eu não conseguia dormir sem minha coelha feiosa. E assim foi por muitos anos. Aquela coelhinha velha sempre perto de mim, como um amuleto, um calmante, uma amiga, uma coisa boa.

Eu e a Marcela crescemos. Ficamos adultas. E a um pouco mais de 4 anos ela me presenteou com uma das coisas mais lindas dessa vida. A Bella, minha doce e primeira afilhada.

Com o tempo passando, ela foi crescendo e eu reconhecendo nela as feições da minha prima. Aqueles olhos grandes brilhantes, o cabelo macio que eu gostava de mexer, o sorriso espontâneo, o jeito estabanado de fazer as coisas, a tagarelice sem fim. Eu olho para ela e vejo um pedaço daquele tempo mais gostoso que vivi. Ela me encanta pela doçura que tem, pelo jeitinho meigo, por parecer um docinho.

Quando a Bella fez 1 aninho, não fazia ideia do que dar de presente. Afinal, não entendo de bebês... não sabia qual tamanho de roupa, ou qual brinquedo poderia fazer sentido pra ela. Mas quando cheguei na loja de brinquedos, vi uma caixa, no topo de uma prateleira e vi uma linda coelha rosa de pelúcia. Olhos grandes, orelhas macias, lindas. O nome dela era Dalila, e é a companheira do Sansão, o coelho azul da turma da Mônica.

Na hora eu sabia que era aquele ali o presente certo, mesmo que pudesse atacar a rinite, que não fosse o material ideal para ela morder, ou coisas assim que deve se levar em consideração para um bebê. Mas era o certo, porque lembrei de algo importante: toda menina precisa de uma coelha.

E gostaria que assim como eu, ela tivesse uma amiga de orelhas longas e coragem infinita.

A minha Lilica está guardada, em uma gaveta ao lado de minha cama. Ela é uma lembrança e ainda sim um amuleto. É parte do que fui, do que sou e do quero continuar sendo. É meu lembrete de ver o mundo com minhas lentes particulares que transformaram ela em um monstrinho de pano na coisa mais preciosa que poderia imaginar. É lembrar de onde eu vim, das histórias que vivi e de que a felicidade está sim nas coisas mais simples e humildes da vida. Eu precisei muito daquele bichinho em todas as vezes que senti medo, em todas as vezes que me senti sozinha, em todos os momentos que fui incompreendida e em todos os melhores filmes da Sessão da Tarde que assisti.

A Bella ainda brinca com a coelha a qual ela chama de “Coelha Menina” porque a dinda The tem o “Coelho Menino” e na ultima sexta-feira recebi essa foto, dela com a sua coelhinha. E eu fiquei tão feliz e encantada ao ver e perceber que eu estava certa quando eu escolhi aquele presente... afinal, toda menina precisa de uma super Coelha!

E se essa bichinha não conseguir te proteger, minha pequena Bella, chama a coelhona aqui, porque dentes grandes, eu tenho.