Até bolacha Maria me faz feliz

Vou contar para vocês por que bolacha Maria me faz feliz.

Quando eu nasci, minha mãe resolveu trabalhar em coisas que podia ficar em casa para cuidar de mim. Porém tinha dias que ela precisava sair por algum motivo e me deixava aos cuidados de minha avó Edvina que morava ao lado de nossa casa. Esse nome imponente representava bem quem era aquela mulher. Não era aquela avó do Sítio do Pica- Pau Amarelo, toda cheia de mimos fofoletes. Era alguém forte, decidida e brava.

Eu era uma criança fácil. Minha tarde perfeita precisava apenas de uma TV ligada, e na época não existia Cartoon Network ou Disney Channel, era Sessão da Tarde mesmo! Quando o filme não era muito bom, assistia Palavra de Mulher, um programa que passava na antiga TV Guaíba. Minha parte preferida era quando falavam de astrologia e tinha um pai de santo dando previsões. Achava misteriosamente divertido.

Porém quando ficava com a minha avó, carinhosamente chamada de Divina, a dita cuja sempre arrumava um passeio para a gente. Não era no parquinho... era para ir tomar chimarrão na casa das amigas dela. E como tinha amigas! Na casa de algumas, tinham os netos com idade parecida com a minha e aí podia brincar, mas havia uma em especial (e acho que era a preferida da minha avó) que não existia nem criança, nem TV ligada, nem nada para euzinha fazer: A dona Geni.

Eu detestava quando ela me obrigava a ir lá. Ficava sentada horas sem me mexer, ouvindo as duas tagarelarem. A Geni até tentava me agradar com umas roscas cheias de glacê. Aquelas grandonas e macias, mas naquele momento ela não ganhava o meu coração.

Depois de várias dessas tarde, descobri uma maneira de ir para casa...chegava perto do ouvido da minha avó e dizia bem baixinho "vamos para casa, estou com fome". Depois de me enrolar um tempo, a gente voltava. Não lembro se fazia isso por ter fome mesmo ou porque descobri uma super estratégia de conseguir o que queria...Até que a minha avó teve uma ideia, bem melhor ainda: um pacote de bolacha Maria. 

Todo novo passeio, estava eu e um saquinho de plástico com bolacha Maria nas minhas mãos. Eu sempre fui muito tranquila. Então mesmo contrariada ficava sentadinha num cantinho comendo e me distraindo com os desenhos das minhas bolachas. A única vez que me rebelei foi por causa de um desses passeios e num acesso de raiva joguei os pregadores de roupas da minha avó no chão (viram quanta fúria!!) e sabe o que aconteceu? Ela me fez juntar todos e fiquei com mais raiva ainda, porque dá trabalho demais ficar brava! Fora isso, sempre fui pacifica e tímida. 

Esses dias eu acho que vi a dona Geni no supermercado. Obviamente ela não me reconheceu. Pensei em lá dar um abraço, mas ia passar por louca e vai que chamassem os seguranças do lugar para me conter! Talvez devesse ter feito, pelo menos eu teria uma história engraçada para contar para vocês.

Com a vó Divina eu tenho lembranças com sabores especiais. Tem os biscoitos de Natal que ela mesma fazia, os cafés da tarde de domingo na casa da Bisa, as amoras que ela pegava para mim na casa da Dona Ineda, outra amiga dela, ou o melhor bolo de laranja que já comi na vida. Minha avó já partiu há alguns anos, e ela não conheceu a mulher que eu me tornei ou soube o quanto o tempo com o seu lado foi marcante. E quando lembro das tardes com ela e com a Dona Geni me dá uma saudade, que faz cada mordida numa bolacha Maria ter gostinho de infância, inocência e felicidade.

As maiores alegrias da nossa vida estão nos momentos que a gente passa com quem amamos. Está no cotidiano, na simplicidade, e nos pequenos gestos que recebemos e oferecemos ao longo de nossa trajetória. Está no saquinho de biscoitos que a minha avó entregava para mim, para que eu nunca mais sentisse fome quando a gente não estava em casa. A felicidade é simples! Então, é por isso, que eu sempre falo, até bolacha Maria me faz feliz.

Texto escrito dia 08 de janeiro de 2018.