27 de fevereiro de 2018

O dia em que a rua me deu uma rasteira


A lei da gravidade sempre fez muito sentido para mim, afinal as coisas caem! Caem mesmo!Sempre fui uma criança desastrada. Na verdade ainda sou. Quebras, esbarrões, tropeções são normais no meu dia-a-dia assim como os roxos nas pernas. 


Uma das minhas tantas quedas marcaram minha memória e meus joelhos. Aos 6 anos estava indo para escola, numa manhã em que o sol já mostrava seus primeiros raios. Peguei minha mochila branca com flores lilás, a merenda e minha garrafa térmica amarela clara com tampa branca com suco de maracujá. Ao lado de minha mãe, saí de casa para o comum percurso que fazíamos todos os dias. Conosco, estavam a vizinha que era minha coleguinha de aula, e a sua mãe.



Estávamos atrasadas, mas a sorte que a escola era perto. Algumas quadras apenas e tranquilamente caminhávamos para nosso querido destino. Quando o portão se aproximava, minha amiga teve uma grande ideia: uma corrida. Era óbvio que ela iria ganhar, pois sempre foi mais rápida, forte e esperta que eu. Mas a brincadeira parecia boa.


Mães sempre dizem “não” quando precisam. Desta vez não foi diferente. Mas soltei a mão que me segurava e parti para a disputa. Corri, mas corri tanto, com aquela mochila gigante em comparação ao meu corpo franzino e aquela térmica na mão. Por alguns segundos me achei livre, leve e feroz!


Só que tem coisas que a gente não avalia, principalmente quando somos amadores no esporte. A rua não era de asfalto, grama ou carpete. Era de saibro. Aquele que faz a gente escorregar mais que cera em assoalho da casa da avó. Eis então que a rua me deu uma rasteira, e mergulhei nos pedregulhos. Era como se o chão fosse uma piscina sapeca! Vi a minha linda garrafinha amarela rolar para longe de mim, partindo sem dizer adeus.


Tudo doía! Os joelhos, as mãos e o ego! Em segundos minha mãe me pegou do chão e eu comecei a chorar. Minhas mãos sangravam, e eu estava assustada. A sorte que o atraso para chegar na escola, fez com que todos os coleguinhas já estivessem dentro da sala e não poderiam rir da minha falta de habilidade de maratonista.


Entramos na escola, eu ainda em lágrimas, e a diretora estava já na porta nos recepcionando, acho que o nome dela era Sônia. Nunca esqueço o que ela disse “O que aconteceu? Porque está chorando? Sei que não é porque você não quer vir para escola!”, afinal, já era uma cdfzinha desde pequena e sempre chegava na escola sorrindo. Ela e minha mãe colaram alguns band-aids em mim e conseguiram me acalmar. Mas tinha algo que não podia ser concertado com band-aids: a garrafinha. A tampa dela (que virava um copo) rachou e não podia mais usá-la.


O tempo passou, os machucados curaram, mas as cicatrizes ainda estavam lá. Passava todos os dias por aquela rua, com receio ser machucada de novo. Fiquei magoada com ela, afinal, todos os dias estava ali e nunca tinha feito mal para ela. Nunca a xinguei, joguei papel no chão, o máximo que posso ter feito, era roubar uma margarida do mato que crescia em suas margens. Ficava pensando se ela teria ficado brava comigo por eu pular nas poças em dias de chuva, ou se eu teria perturbado com a correria. Muitos anos passaram, a rua foi asfaltada, não havia mais poças ou flores, mas mesmo assim meus passos eram leves e sorrateiros para não acordá-la.


Acima de qualquer trauma, o que marcou não foi a rasteira e suas consequências. O que doeu mais, não foi o ralado das mãos, mas sim a falta de algo simples: um pedido de desculpas.
Talvez eu não deva ficar magoada com aquela estradinha, pois provavelmente ela nem sabia o quanto me fez mal. Talvez no pensamento dela, foi apenas uma brincadeira ou um ato feito no desatento. Quem sabe, ela nem imaginava o quanto doeu, quanto tempo as 
cicatrizes ficaram no meu corpo, nem entende a vergonha que senti. E principalmente, aquela rua nunca teve uma térmica amarela, para poder compreender como foi difícil perdê-la.


Não se engane...Isto não é uma simples história sobre uma garrafa térmica quebrada. Não é apenas um joelho machucado e um arranhão na testa. Em tantos caminhos que percorremos, em algum momento passaremos por essas tais “ruas de saibro”, apáticas, egoístas, más, frias. E nem sempre levamos boas lembranças delas. Se uma garrafa quebra, um coração também pode quebrar!
Mas sabe o que é bom nisso tudo?! É entender que talvez estrada nunca me peça desculpas, e que isto é um problema dela, mas o que se leva daquela queda é que nós devemos agir de forma de que não sejamos a rua de saibro de alguém.

Texto escrito dia 29 de janeiro de 2018.

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