Novela das 8. Aquele momento em que o vilão é exposto e todas as suas maldades são descobertas pelos demais personagens. É quando ele não tem mais para onde fugir e a gente fica eufórico pois ele será castigado. E então se escuta a melhor frase de todas, da sua avó que está sentada ao seu lado... "ahhhh... bem feito para este camarada"!
Não, minha a avó não era russa. Era alemã mesmo! Uma senhorinha elegante, frágil e bem humorada. Dona Miloca, mais conhecida como Lady. Isso mesmo, Lady Winck, por conta de sua graciocidade e elegância. Te mete!
Ela era bem vovozinha para ser a minha avó. Tinha uma saúde mequetrefe e eu ouvia, nas conversas dos adultos, que ela sofria de um negócio chamado osteoporose e que por isso seus ossos eram fraquinhos como gravetos e era preciso cuidado para que ela não se quebrasse. E eu, na ignorância infantil, tinha medo de machucá-la. Por isso, eu não abraçava forte e tinha medo de sentar no seu colo, pois vai que eu quebrasse algum ossinho... logo eu, que tinha um shape de mosquito de dieta! Poxa vida, quantos abraços eu podia ter dado sem medo se eu realmente entendesse o que acontecia. Quando somos crianças podemos nos impressionar facilmente...e se for uma criança como eu, ah... o pensamento vai longe!
Parte de quem somos é uma mescla da nossa família. Uma receita que pega uma xícara de um, uma pitada de outro, 200ml de não sei quem. E a gente acaba sendo uma colcha de retalhos proveniente de outra colcha de retalhos. Dá vó Miloca tenho os trejeitos, a postura esquisita, a mão na cintura, o esmagamento de formigas intrusas, o quadril largo, as pernas cruzadas, dedos longos, pés feios, a saia midi, e quem sabe um pouco da delicadeza.
Tem coisas que marcam a infância não é mesmo?! Até hoje sinto o cheiro da madeira dos móveis da casa dela. Casa que ela dividia com uma amiga, como quando somos jovens e dividimos apartamento para vivermos "sozinhos e independentes". Lá sempre tinha bolacha de canela em um vidro, e era maravilhosamente gostosa. Lembro de comer sorvete napolitano com uma colher quadrada e depois de adulta virei uma obcecada por colheres quadradas, até que anos atrás achei uma no Brique da Redenção e guardo como um troféu.
Um dos meus traumas da vida, foi uma brincadeira boba do meu pai. Ele me deu um hamburguer de plástico, colocou num prato e disse para eu oferecer para a Lady. Eu, pateta fiz! E o que aconteceu? Ela me xingou? Ela riu? Ela me botou de castigo? Não!!!!!!!! Ela disse "Guarda na geladeira, filhinha. Depois a vó come.". Lembro até hoje do momento e como queria que abrisse um buraco para eu pular dentro! O que eu faria? Quando ela fosse procurar na geladeira e não teria nada... Ficaria com fome! Ficaria triste! Me senti tão culpada que contei que era de brincadeira e que eu queria que me desculpasse. Tadinha... criei expectativas de comer um super hamburguer delícioso e acabei com este sonho de felicidade!
Ela era alguém especial. Certa vez, conta meu pai, que seus amigos chegaram em sua casa, que ficava quase em frente onde é o Xis do Vini hoje em dia, em Sapiranga e o som estava a toda potência com as melhores canções do Iron Maiden. Lady Miloca estava paradinha na janela, olhando para fora, com a graça de uma mocinha, vislumbrando o movimento da década de 70 da Presidente Kennedy. Os tais amigos questionaram onde ele estava e minha querida avó respondeu que ele não estava em casa. Os amigos, achando que a minha avó era louca, ainda questionaram... "Como não?! E esse som alto Lady?". Responde ela: "Ué, eu que estou ouvindo!" Uma mulher com a finese da rainha da Inglaterra tomando chá das 5 e ouvindo heavy metal. Este é o meu foco de futuro!
Lady era costureira. Dizem que era uma das melhores. Lembro dos botões forrados das suas roupas, das saias midis que hoje eu amo, as sapatilhas peep toes e os casaquinhos. Ahhh, os casaquinhos, tenho um cardigan que era dela. Um azul listrado que eu amo e se você convive comigo, já me viu usando. Ainda tem o nome dela na etiqueta e é uma forma de manter viva a lembrança de alguém que vestiu tantas pessoas, fazendo suas melhores e mais queridas roupas.
Lady Miloca se foi quando eu tinha 14 anos. Não tive muito tempo! Tempo para conversar, para conhecer as suas histórias e ensinamentos. Não soube quais eram suas maiores felicidades, seus medos, suas lembranças boas. Sei pelo o que me dizem, que ela era uma querida, não reclamava de muita coisa, era parceira até para ir no carnaval infantil do Clube, pacifica, silenciosa. E acho triste de ter faltado esse tempo, mas feliz do tempo que tive.
Ahhh esse tempo e essas avós com perfume de Alma de Flores. Essa nostalgia que pega a gente e essa vontade de se entender ao olhar para quem faz parte de nós. Essas ligações fortes que a gente não entende bem, mas sabe que existe. Algo que vem do espírito e dos sonhos.
Aí te pergunto. Quem você tem adoração? Caso esta pessoa ainda esteja entre nós, aproveite! Passe mais tempo ao seu lado, abra seus ouvidos para as suas palavras, e abrace bem forte mesmo que ela tenha osteoporose. Se ela já partiu, mantenha algo dela vivo no presente, nem que seja através de um casaco ou uma foto em seu porta retrato. Faça de seu amor um altar!
E nisso tudo, nos passos de pés feios e sapatilhas retrô, espero que eu possa ter a grandiosidade e a delicada pequenez de ser a próxima Lady Winck.

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