19 de julho de 2018

O imáginário


No fundo de um quarto existia um guarda-roupas empoeirado. Era um móvel de madeira, com ramos esculpidos manualmente e duas portas chaveadas. Ele estava abandonado há muitos anos num quarto sem uso e sua única companhia era os raios de sol das manhãs. Certo dia, a casa onde aquele móvel residia recebeu a visita temporária de algumas crianças. A mais nova delas era uma menina curiosa como gato e assim como o animal não se conformava com portas fechadas. 
Sua necessidade de descoberta fez com que ela desbravasse a casa sem permissão e por acaso entrou naquele quarto sem vida. Por algum motivo, o guarda-roupas chamou a sua atenção. Mesmo com pó pairando nele. Mesmo com a frieza de um objeto sem uso. 
Mesmo sem cores vibrantes. Ela virou as chaves e o abriu. Não há nada ali dentro... que experiência sem graça teria sido se ela não tivesse observado com um pouco mais de calma o vazio daquele móvel. Ao fazer isso, percebeu que haviam flocos que neve dentro dele, o que não fazia sentido, visto o sol que batia na janela. A menina, por um impulso, entrou no guarda roupas e literalmente em um piscar de olhos estava em outro lugar. Não era mais um quarto e tão pouco um guarda-roupas. Era uma floresta branca pela neve. Ela estava em Nárnia
E porque eu quero falar em Nárnia? Por que eu quero falar sobre acreditar. Acreditar em si, acreditar nos outros, acreditar no possível e também no impossível.
As vezes penso que não sou deste mundo. Você também se sente assim? Deslocada e incompreendida? Acho que no fundo todas nós sentimos isso em algum momento da vida não é mesmo?!

Eu tenho um incomodo. Incomodo grande que me perturba de vez em quando. O tédio da realidade. Posso botar a culpa nos astros, afinal sou uma pisciana, e quem curte essas coisas de astrologia deve saber que é o signo que vive no mundo da lua. Mas crendices a parte, eu realmente não sei bem viver com o real. Sinto que eu sou de Nárnia ou de outro reino mágico, distante e que os conceitos de realidade e possibilidade sejam meras teorias bobas.

Refugio-me em páginas de livros, onde há mistério, emoção, mágica, fantasia e acho incrível a possibilidade de se projetar na identidade de tantos personagens. Viajar por rios tortuosos, florestas obscuras, estradas de tijolinhos dourados, animais falantes, seres mágicos e incríveis.

Eu gosto tanto da palavra incrível. Já parou para analisar ela? Se olhar no dicionário, este verbete trará a seguinte descrição “o que não é crível, não se pode acreditar.” Então, se não pode se acreditar, eu quero acreditar! Esta palavrinha também traz sinônimos como extraordinário e fantástico (não aquele programa do domingo, tá). E qual o problema de acreditar no incrível? Afinal, não conseguimos enxergar o ar ou a gravidade, mas sabemos que ambos existem e valorizamos a sua importância, não é mesmo?!

As vezes acho que nasci na década errada...talvez deveria ter sido uma rocker performática dos anos 70! Vai me perguntar por que não sou uma agora...simples, seria trágica a minha cantoria. Acho chato usar roupas padronizadas (tá aí a explicação de eu sempre brigar para usar uniforme da escola). Acho tediosa a rotina pragmática das coisas.

Já dizia Alice, eu penso em 6 coisas impossíveis antes do café da manhã. Aceito melhor a ideia de um coelho tomando chá do que lembrar de trocar o óleo do carro! Prefiro valentes cavaleiros, amazonas destemidas, fadas borboletas, magos poderosos, doces princesas, natureza viva, nuvens coloridas, do que a política, economia, a resistência do chuveiro queimar, fazer planilhas, lavar o carro, comprar detergente, orçamentos, fazer dieta, pessoas chatas.

Esses dias meu afilhado comentou que viu um jogo de mágica na loja, mas não quis ele, preferiu outro, e justificou dizendo que mágica é um truque para enganar os outros, segundo uma professora dele. Que tédio de pessoa essa professora... Posso não ser fã do Houdini ou de truques de cartas, mas vamos combinar, tirar o pensamento fantasioso de uma criança com a amarga e chata realidade é uma maldade sem tamanho, afinal, vamos envelhecendo, perdendo a nossa imaginação e se deixando impregnar com o que é possível, aceitável, compreensível. Por favor, você pode não querer ser o Chapeleiro Maluco, mas por favor não seja a Rainha de Copas que corta cabeças e com elas a imaginação alheia!

Sei que não estou sozinha nessa. Sei que existem tantas outras morceguinhas nas janelas buscando inspirações nas árvores distantes, imaginando vagalumes nos lugares dos postes, ou imersa em páginas do mundo de outro alguém. O difícil é que somos poucos num universo de muitos.
Tem muita realidade na minha fantasia. 
Muitos números na minha poesia.
Muito sim e não no meu era uma vez.
E na sua?

Talvez a gente devesse acreditar mais na leveza das coisas, na possibilidade do sonho, no amanhecer, nas pessoas, nas estrelas. Acreditar mais em nós e no nosso mundo interior que é tão personalizado e lindo. Aí volto a falar de essência, pois acreditar em nós é acreditar na tal essência que em momentos vibra e ecoa, mas quando deixamos ela de lado, adormece em sono profundo.

Que a nossa vida seja mais boba feliz e menos tediosa e séria. Escolha acreditar. Seja lá o que preferir acreditar. Mas acredite em algo incrível!

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